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Você está sempre cansada?

  • Foto do escritor: Natália Pierdoná
    Natália Pierdoná
  • 8 de out.
  • 5 min de leitura

O cansaço pode ser um sintoma de que algo não está bem. Quando pensamos em cansaço, precisamos avaliar alguns aspectos da sua vida, para entender melhor qual pode ser a causa. Existem múltiplos possíveis fatores que podem estar te deixando cansada. Por isso, é importante uma consulta com sua médica de família, com escuta acolhedora e atenção à sua história.  

Dentre as causas orgânicas existem muitas doenças que podem cursar com cansaço: anemias, problemas na tireoide, doenças pulmonares, patologias cardíacas, distúrbios do sono, entre outras. Uma boa avaliação clínica é sempre importante, para avaliar melhor a possível causa e pensar no tratamento mais adequado.

A falta de vitaminas, embora seja um motivo comum de preocupação, é uma causa menos frequente. A depender da idade, deficiência de vitamina D ou de vitamina B12 podem estar entre as principais carências. No entanto, se você tem uma alimentação equilibrada, saudável, rica em alimentos naturais e evita alimentos ultraprocessados, é provável que tenha uma boa reserva de vitaminas.

Por outro lado, muitas vezes o cansaço físico tem origem emocional ou social. Eu estou falando aqui com mulheres no plural, porque eu entendo que não existe uma única mulher, afinal, somos todas diversas! Isso significa que vários aspectos que nos constituem, como idade, cor da pele, classe social e orientação sexual, para citar apenas alguns, estão relacionados à forma como vivenciamos a vida em nossa sociedade, e também se relacionam aos sintomas que apresentamos.

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Por exemplo, falando agora com as mulheres que vivem relacionamentos heterossexuais e moram com seus parceiros: quem é a principal pessoa responsável por realizar as atividades domésticas da sua casa? Quando falamos em atividades domésticas na verdade utilizamos o termo trabalho doméstico, porque sim, são atividades que demandam muito da nossa energia para serem executadas, porém, muitas vezes é um trabalho invisibilizado, porque não é visto, percebido, nem valorizado, muito menos remunerado como deveria. No mundo todo, as mulheres desempenham mais horas diárias em tarefas domésticas, e no Brasil não é diferente. Em um relatório de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística foi documentado que as mulheres dispendem em média, 9 horas a mais por semana, do que os homens, para realizar trabalhos domésticos. Se formos pensar em um trabalho formal de 8 horas semanais, isso significa que as mulheres têm em média um dia a mais por semana de trabalho do que os homens para conseguirem organizar seus próprios lares, e detalhe: sem ganhar por isso. Sabendo disso tudo, ouso dizer que é muito provável que na sua casa, você, mulher, seja a principal responsável pelas tarefas domésticas, respondendo a minha pergunta inicial.

O trabalho de cuidados, todavia, inclui não apenas os trabalhos domésticos de cuidado da casa, mas também, os cuidados com outras pessoas dependentes, como por exemplo: filhos quando crianças, pais idosos, familiares doentes ou acamados, entre outros. Em todas essas situações, em geral, as mulheres são as principais pessoas colocadas neste papel de cuidadoras.

Aqui é importante pensar que não há problema nenhum se você, mulher, gosta de desempenhar os trabalhos de cuidado na sua casa, cuidando das tarefas domésticas ou de outras pessoas dependentes de você. Entretanto, o problema surge quando, pelo excesso de trabalho ou falta de divisão de tarefas, você se torna sobrecarregada e adoece. Neste caso temos um problema.

Na nossa sociedade, na maioria das vezes, quando uma mulher branca precisa de ajuda para exercer as tarefas de cuidado, quem se disponibiliza para esse trabalho costuma ser outra mulher, em geral, negra, e mais pobre. Ou seja, percebemos que o trabalho de cuidado continua sendo majoritariamente desempenhado por mulheres. Sem a participação efetiva do gênero masculino. Há uma pesquisadora que muito admiro, chamada Valeska Zanello, que escreve e conversa muito sobre isso. Ela chamou essa função imposta às mulheres – de cuidar, ou “maternar” mesmo contra sua vontade – de dispositivo materno.

Para além da questão dos cuidados, existe também um conceito importante a ser lembrado e reforçado aqui: o conceito de carga mental das mulheres. Certo, admito que pode ser que, felizmente, você faça parte de uma geração de mulheres que tem namorados ou esposos literalmente parceiros – ele te ajuda nas tarefas domésticas, compartilha os cuidados com seus filhos, que maravilha! Mas me diz uma coisa: ele de fato “divide” as tarefas domésticas, ou te “ajuda”? Pergunto porque dividir e ajudar são conceitos bem diferentes. Se ele prepara o almoço – se você pedir, se ele busca eventualmente as crianças na escola – quando você demora para sair do trabalho, se ele coloca as roupas na máquina de lavar – quando você o lembra que está na hora – sinto lhe dizer, mas provavelmente vocês não dividem as tarefas, ele apenas te ajuda. É importante trazer esse conceito para lembrar que: a comida não fica pronta num passe de mágica na mesa: alguém precisa lembrar de tirar a carne do freezer algumas horas antes para descongelar, e depois alguém precisa cozinhar, e para ter a comida, alguém precisou ir no mercado... a roupa não aparece magicamente no guarda-roupas: alguém precisa ter comprado, e quando ela suja, alguém precisa lavá-la, e depois alguém precisa estender para secar, e alguém precisa tirar do varal, dobrar e guardar... se as crianças têm reunião de pais na escola, alguém tem que lembrar de ir... todas essas tarefas também passam pela parte mental, de gerir, ou seja, de planejar o que precisa ser feito na casa para cuidar do lar e das pessoas que moram nele. Esse trabalho é semelhante ao gerenciamento de uma empresa – exige muito planejamento – porém, é uma carga mental invisível, não remunerada, que pode sim gerar cansaço e adoecimento.

Esses são apenas alguns dos aspectos do cansaço, mas ainda existem vários outros, por exemplo: as questões raciais que implicam em diferenças entre mulheres brancas e negras; a ditadura da beleza que gera um desgaste mental em busca de um ideal de corpo muitas vezes distante da realidade; as desvantagens das mulheres no mercado de trabalho frente ao gênero masculino; o trabalho extenuante que consome grande parte do seu dia a dia e reduz sua disponibilidade de tempo para você mesma, para ter momentos de lazer ou de praticar exercícios físicos; entre diversos outros aspectos.

Então, quando pensamos que as mulheres estão cansadas, é importante lembrar que esse cansaço muitas vezes não é só físico. Ele é também mental, emocional. E não é individual, mas sim coletivo, já que estamos falando de aspectos que atravessam o gênero feminino e que se perpetuam por gerações, e continuam recaindo sobre as mulheres.

Para concluir, o objetivo desse texto é relembrar a você, mulher, que existem diversas possíveis causas para serem observadas quando sentimos cansaço. Se você percebe que o seu cansaço está te gerando sofrimento mental, talvez seja a hora de buscar ajuda. Se for possível para a sua realidade, contar com uma boa rede de apoio pode ser crucial. Se você tem um relacionamento saudável, é o momento de solicitar melhor divisão das tarefas, compartilhando as preocupações e os afazeres domésticos. Se tem filhos, é o momento de ensiná-los a fazer a parte deles em casa. Enfim, o cansaço pode ser um pedido de socorro do seu corpo. É importante que você ouça e não hesite em buscar ajuda. A ajuda médica é uma possibilidade, e estarei aqui para apoiá-la e juntas buscarmos caminhos para uma vida mais leve e equilibrada.

 

Natália Pierdoná

Médica de Família e Comunidade

CRM-BA 49.032 | RQE 27.935

 
 
 

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